Matandu Tempo VOCE SABIA

Friday, July 07, 2006

A Copa e suas metáforas

Sempre que minha filha adolescente estranha o valor que os brasileiros dão ao futebol repito a ela um bordão que improvisei em casa: futebol é uma metáfora da vida.

Qual o significado exato dessa frase, nem eu mesmo sei muito bem, mas posso garantir que facilita explicar um choro convulsivo por causa de um gol sofrido ou uma euforia exagerada diante de uma vitória inesquecível. Foi o que me ocorreu entre um gole e outro de vinho, na noite de sábado, depois da derrota de Frankfurt.

Como coordenador de Copa dos jornais da RBS, acabei sendo alvo da mesma interrogação de colegas, amigos e familiares, depois do jogo: "E aí, abatido com a derrota do Brasil?".

E, estranhamente, eu não me sentia triste - pelo menos com aquelas tristezas que costumam abater mesmo que por poucas horas um torcedor de futebol.

Me sentia, isso sim, constrangido com a postura da Seleção de Parreira em campo - com sua falta de alma e de personalidade. Eu, que vivo a dizer que o "futebol é uma metáfora da vida", passei a ficar preocupado com isso. Imaginava que a equipe com CBF e Nike no peito estava a refletir uma acomodação brasileira frente a derrotas e adversidades.

As minhas lembranças marcam o período entre o Tri de 70 e o Tetra de 94 como um momento de baixa auto-estima do brasileiro, quando o fracasso do futebol parecia se refletir no cotidiano nacional. Parecíamos craques em perder - até surgir Ayrton Senna e sua bandeira do Brasil nas manhãs de domingo.

Saímos da Copa de 1990, na Itália, com um renovado complexo de vira-latas, como Nelson Rodrigues definiu o brasileiro a partir da derrota da Copa de 1950 no Maracanã. Dunga nos redimiu em 1994 e, mesmo aquela vitória nos pênaltis, mais marcada pelo fracasso de Baggio do que pelo sucesso de Romário, serviu para injetar um novo ânimo na pátria (ou pelo menos assim pareceu a quem às vezes confunde o coração com uma bola de futebol).

Entre um gole e outro de vinho, depois do vexame de Frankfurt, vi o fantasma da passividade ronaldinesca rondar o pensamento nacional. Mas, como antes, com Senna e Dunga, há alguém que nos redime. Que continua simbolizando a garra e o esforço do brasileiro, como gostaríamos de ter visto contra a França.

E é por isso que o Brasil geral e o Rio Grande em particular se apegaram ao passo-fundense Luiz Felipe Scolari desde sábado. E não é só por causa da certidão de nascimento dele. É que Felipão, com sua capacidade infindável de trabalhar e se dedicar ao que faz com vigor e emoção, resgata um pouco do nosso espírito de enfrentar a vida, independentemente do resultado final.

Desde o dia 1º de julho de 2006, "Felipão" e "Parreira" passaram a ser, mais do que nomes próprios, dois adjetivos no vocabulário verde-amarelo - e deixo ao leitor a interpretação de seus significados.

De minha parte, acompanhando com vigor e emoção as parábolas extraídas da Copa da Alemanha, comecei a achar que o bordão caseiro que a Elisa vive a ouvir já pode ser compartilhado com meus 17 leitores: o futebol é mesmo uma metáfora da vida.
Paulo sant'ana

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